(Uol) – Em julho de 2020, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu um relatório de 15 páginas apontando problemas e inconsistências na fortuna do empresário dono da Havan, Luciano Hang, apoiador com influência no governo do presidente Jair Bolsonaro.
O texto oficial serviu para alertar o Palácio do Planalto sobre os riscos que a proximidade do chamado “veio da Havan” poderia causar à atual gestão governamental.
Classificado como “reservado”, o documento obtido por Uol reúne informações sobre o proprietário da rede departamentos Havan. Os papéis foram enviados pela agência à Casa Civil, ao alto comando do Exército, à Polícia Federal e já chegou às mãos de um senador da CPI da Covid.
Segundo uma fonte ligada à comissão parlamentar de inquérito que recebeu o relatório, há um “movimento de cautela” por parte da inteligência e do alto comando militar com relação a alguns empresários apoiadores do presidente considerados “problemáticos”.
A data da produção do relatório coincide com a informação publicada em junho de 2020 pelo jornal Valor Econômico, de que o Ministério da Saúde planejava maquiar dados relativos ao novo coronavírus e aos mortos em decorrência da doença. O dono da Havan teria sido um dos responsáveis pela ideia, de acordo com a reportagem.
A Abin tem como prática a elaboração de relatórios, de ofício, sobre políticos, apoiadores, empresários e pessoas que se aproximam da presidência da República.
O documento sobre Hang é dividido em sete tópicos e narra o início da sua vida empresarial. Aos 21 anos, com a compra de uma tecelagem, até as acusações que o levaram a ser investigado pelo possível financiamento de redes de fake news e do chamado “gabinete do ódio”.
Negócios Investigados
No documento elaborado pelo órgão, Luciano Hang aparece como um personagem que, a partir de 1997, passou a ter negócios com lisura questionável.
“Sempre expandindo os negócios, sem sócios, sem investidores, sem endividamento e muitas vezes parecendo possuir uma fonte oculta de recursos, que não se explicaria apenas por sonegação fiscal e contrabando de artigos importados para lojas”, afirma o documento.
A Abin aponta que, em 2000, uma estudante de economia da Universidade Federal de Santa Catarina, não identificada no relatório, produziu uma monografia sobre a competitividade das lojas Havan, “obtendo por meio de Luciano Hang acesso a dados contábeis da empresa”.
O trabalho, explica a inteligência do governo, mostrava que o custo fixo mensal das lojas era “cinco vezes maior do que o faturamento” da empresa, o que, em circunstâncias normais, inviabilizaria o negócio.
“Este custo fixo relatado se referia ao estoque que equivaleria a cinco vezes o faturamento em um mês da rede de lojas e exigia alto capital de giro, demonstrando já nessa época a alta disponibilidade financeira de Hang”, explicou.
Em seguida, no tópico intitulado “Havan Financeira”, a agência relata que, ainda no início dos anos 2000, o empresário passou a ter uma empresa de fomento mercantil, que fornecia empréstimos milionários que, segundo o relatório, configuravam a prática de “agiotagem”, o que resultou em cobranças na Justiça. Apenas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 25 processos ainda estão ativos e são relacionados aos empréstimos de Hang.
“É de se supor que os empresários que procuravam Hang não estariam aptos a passar pelo crivo analítico de um banco de verdade, sujeitando-se a exposição de cobrança de juros acima do mercado e alienação de bens em garantia”, afirma o órgão governamental.
Procurado pela reportagem, o departamento jurídico da Havan informou que “todas as empresas do senhor Luciano Hang estiveram e estão dentro da lei, submetidas a todas as regras de controle, de modo que jamais houve agiotagem ou lavagem de dinheiro”.
Precatórios
O arquivo produzido pela Abin também lista as pendências judiciais e investigações sofridas pelo empresário. Dentre elas está a atuação, em 1999, do procurador do Ministério Público Federal, Celso Antônio Três, que o investigou por lavagem de dinheiro, remessa de dinheiro de origem ilegal ou duvidosa, sonegação fiscal, contrabando de importados e evasão de divisas. O empresário teria usado o “primo Nilton Hang como testa de ferro”.
Segundo o texto produzido, o período de investigação de Hang coincide com o escândalo dos precatórios, alvo de uma CPI no Senado, que apurou irregularidades no pagamento decorrentes de ações judiciais em Santa Catarina, Pernambuco, Alagoas e algumas cidades no estado de São Paulo.
“O esquema investigado pelo procurador Celso Três no Paraná era o principal duto de evasão de dinheiro fruto do desvio dos recursos dos precatórios, via contas CC5 do Banestado”, ressalta o documento.
Também há informações sobre a condenação judicial sofrida por Hang em 2003 a quase quatro anos de prisão por “sonegação de contribuições previdenciárias”. O investidor foi multado em R$ 10 milhões.
Havan nega existência de relatório
Em resposta à reportagem, o departamento jurídico da Havan informou que o relatório da Abin “trata-se de fake news”, já que “se houvesse qualquer documento, seria sigiloso e, portanto, inacessível pelo Uol”.
A existência do relatório foi confirmada ao Uol por fontes da própria Abin, da Polícia Federal, do GSI, além de um integrante da CPI da Covid.