(Estadão) – Passar mais tempo com a família, trabalhar de casa sem perder horas no trânsito, cuidar da alimentação. Muitos dos hábitos adquiridos durante a quarentena são agora objetivo de vida para os brasileiros. É o que aponta uma pesquisa realizada pela empresa Behup, cujos resultados mostram que será possível notar uma demanda maior por qualidade de vida.
“As pessoas hoje estão preocupadas com o vírus, com os efeitos na economia, mas entenderam que dá para ter outro estilo de vida, grande parte propiciado pela tecnologia”, avalia o cientista social Danilo Cersosimo, um dos idealizadores da pesquisa, que buscou detectar comportamentos do futuro pós-pandemia em 12 capitais brasileiras. Realizado em 24 de junho, o levantamento, com etapas quantitativa e qualitativa, ouviu 1.739 pessoas, frequentadoras de shoppings centers.
Apesar de todas as preocupações e ansiedades mais evidentes do momento, foi possível identificar, entre os entrevistados, os impactos positivos da pandemia. Brasileiros de baixa renda, mas não só eles, afirmam, por exemplo, querer manter os novos hábitos de higiene quando a crise de saúde passar. “O caso do Leblon, das festas clandestinas, não deve ser visto como um comportamento generalizado, pois a maioria das pessoas espera precauções dos estabelecimentos”, comenta. Segundo ele, as pessoas ainda não estão seguras para voltar a frequentar locais públicos. “Há, sim, uma necessidade reprimida de socializar, mas isso não significa que estejam desencanadas do risco.”
Lavar frutas, higienizar as mãos com maior frequência, usar álcool em gel e limpar os sapatos ao entrar em casa estão entre as lições que muitos pretendem levar adiante. O arquiteto Arthur Lauxen, por exemplo, acredita que, quando houver uma vacina, ele não deverá abandonar totalmente, mas flexibilizar o cuidado que tem tido com a higienização dos produtos que chegam do mercado. “Não quero ficar lavando pacotes de batata palha para sempre”, brinca ele. No entanto, o hábito de tirar os sapatos e limpá-los para entrar em casa será mantido “com certeza”.
Outro hábito experimentado durante o período de isolamento social também aparece na pesquisa: o cuidado com a alimentação. A redução do consumo de produtos industrializados e dos gastos com refeições fora de casa aparecem junto com a vontade de aprender a cozinhar e de buscar novas receitas na internet.
É o caso da economista Carolina Silveira, que viu sua alimentação melhorar na quarentena. “Principalmente o café da manhã, farei questão de tomar em casa”, declara. Operadora de um banco internacional, ela costumava sair com pressa pela manhã e fazer a refeição no escritório. Agora, diz ter opções melhores e mais saudáveis, além de sentir bastante a redução de gastos.
Essa atenção a aspectos da rotina antes negligenciados aparece na percepção demonstrada pelos entrevistados de que é possível aproveitar mais o lar, cuidando das plantas, brincando com os pets e assistindo a séries e programas de televisão. Na visão do psicólogo Felipe Pimentel, esse entendimento está ligado “à força que a quarentena teve de retirar as pessoas da lógica da repetição”, ao perceberem que certos hábitos estavam “acontecendo de modo automático ou até inconsciente”. É nesse sentido que, de acordo com a pesquisa, pais e mães, principalmente da classe média, estão redescobrindo a vida familiar, com dedicação maior a atividades em grupo.
“A gente notou muita gente falando de valorização da família, das relações pessoais, embora de um distanciamento em relação aos vizinhos”, comenta Cersosimo. A pesquisa mostra que, para 36% dos entrevistados, a convivência com a vizinhança diminuirá. “É paradoxal, ainda que se explique em certo sentido: tenho uma leitura de que ficaremos muito mais refratários em relação aos desconhecidos e a aglomerações. Já a família tende a ser o núcleo que te ajuda.”
Pimentel reforça a interpretação do cientista social: “Crises como a que estamos vivendo têm a capacidade de reorganizar valores e afetos. Diante da ameaça da morte e da precariedade econômica, o sustento que as pessoas encontram é em suas relações mais íntimas e amorosas, as mais seguras e basilares, especialmente quando todo o resto parece não estar sob seu controle”.
A maior convivência com os familiares é possibilitada, em grande parte, pelo regime de home office. Para 41% dos entrevistados, o tempo de trabalho de modo remoto deverá aumentar. Embora haja um pessimismo generalizado no mercado, a pesquisa mostra que as mudanças positivas trazidas pela pandemia incluem o entendimento de que é possível ser produtivo e manter as relações humanas sem a necessidade de deslocamento até o escritório. Além disso, o tempo que antes era gasto no trânsito pode ser usado para aperfeiçoamento profissional, com a realização de cursos online e dedicação a leituras e pesquisas.
Formado em relações internacionais, Cesar Sandri atua em uma agência de intercâmbio, para a qual tem trabalhado remotamente. Diante do êxito da experiência do home office, a empresa analisa, agora, a possibilidade de estabelecer um regime intermitente, com parte do trabalho no escritório e parte em casa.
Já a veterinária Renata Lima é um exemplo de como o momento pode ser propício para o aprimoramento. Ela começou um mestrado no início deste ano. Com os atendimentos reduzidos e as aulas a distância, tem aproveitado o tempo que tem sobrado para assistir a cursos online complementares aos seus estudos. “No ano passado, fiz um estágio de cirurgia numa escola-clínica da Cidade do México, que agora está dando esse curso online de oftalmologia, com provas e certificação. Achei que seria difícil de acompanhar, mas acabaram de anunciar um novo módulo e eu pretendo continuar”, conta.
Essa crescente digitalização se estende ao uso da tecnologia para o acesso a serviços públicos – 59% dos entrevistados afirmaram que a prática deve aumentar. “A gente acha que as coisas no Brasil nunca são boas. Claro que podem ser melhores, mas a pandemia mostrou que a tecnologia ajuda o cidadão a se comunicar melhor”, avalia Cersosimo, que acredita que essa compreensão pode contemplar, no futuro, uma discussão sobre o funcionamento do sistema político, o que incluiria o voto a distância por meio de aplicativos.
Com maior acesso aos meios digitais – 48% dos entrevistados dizem que o tempo que passam online vai aumentar –, as mudanças dos padrões de consumo e de comportamento incluem ainda a gradativa substituição das idas ao supermercado pelas compras online. Cerca de 42% dos entrevistados afirmaram que vão recorrer mais a serviços de delivery. Quanto a esse tópico, vale destacar a diferença das respostas entre as classes A/B e D/E: 48% contra 34%, discrepância que também se nota quando a pergunta é sobre o uso de automóveis. Para 29% dos entrevistados da classe A/B, a frequência de uso do carro deverá aumentar, enquanto a mesma resposta só se dá para 16% da classe D/E.
Na avaliação de Cersosimo, essas diferenças de respostas ocorrem porque as questões colocadas em perspectiva não são, muitas vezes, as do dia a dia da classe D/E. “As preocupações são mais urgentes”, explica o cientista político, destacando que o medo menor de se expor desse grupo envolve questões de sobrevivência. As maiores variações também se dão entre os gêneros: “A gente sente a mulher mais cuidadosa, mais precavida, enquanto os homens se veem dispostos a tomar mais riscos”.
Ainda de acordo com a pesquisa, enquanto essas mudanças não se concretizam, esperanças e incertezas dividem terreno. Junto à vontade de retornar à “normalidade”, que prevalece entre 79% dos entrevistados, existe a crença, manifestada por 45% deles, de que uma vacina será desenvolvida nos próximos seis meses. Mas chama também atenção o sentimento de que haverá um novo pico de casos de coronavírus nos próximos três meses e de que, no futuro, pandemias serão mais frequentes.